Uma anomalia no centro da Via Láctea pode indicar um novo candidato à matéria escura. Se confirmada, essa descoberta pode mudar a forma como os cientistas estudam essa substância misteriosa, que compõe a maior parte do Universo.
Relatado em um artigo publicado nesta segunda-feira (10) na revista Physical Review Letters, o fenômeno observado envolve uma quantidade incomum de gás ionizado na região conhecida como Zona Molecular Central (CMZ). De acordo com os pesquisadores, essa ionização pode ser resultado da interação de uma forma específica de matéria escura, diferente das hipóteses já apresentadas.
Esse novo candidato seria mais leve do que os suspeitos anteriores e teria uma característica intrigante: ele se auto-aniquila. Ou seja, quando duas dessas partículas se encontram, elas se destroem e geram elétrons e pósitrons (a versão de antimatéria do elétron).
Mesmo que a aniquilação dessas partículas seja rara, ela ocorreria com maior frequência no centro das galáxias, onde a matéria escura tende a se concentrar. Para os cientistas, esse efeito pode ser a chave para detectar a presença dessa substância misteriosa no Universo.
O que sabemos sobre a matéria escura
A matéria escura é um dos maiores enigmas da física moderna. Estima-se que, junto com a energia escura, ela represente cerca de 85% da composição do cosmos.
A principal evidência de sua existência vem dos efeitos gravitacionais. A matéria escura influencia a movimentação de galáxias e aglomerados cósmicos, mantendo sua estrutura coesa.
Ao longo das décadas, diversos candidatos à matéria escura foram propostos. Entre os mais estudados estão as Partículas Massivas de Interação Fraca (WIMPs) e os áxions, que são partículas hipotéticas extremamente leves. Agora, esse novo suspeito surge como uma alternativa promissora, apresentando características que poderiam explicar melhor o grande enigma.

Hipótese surge como um novo caminho para entender o Universo
A proposta da equipe liderada por Shyam Balaji, pesquisador do King’s College London, na Inglaterra, sugere que essa forma de matéria escura poderia ser detectada de maneira indireta, não pelos efeitos gravitacionais, mas por meio de seus efeitos químicos no espaço. Se sua hipótese estiver correta, isso representaria uma nova abordagem para estudar esse componente invisível do cosmos.
Segundo Balaji explicou ao site Space.com, a grande vantagem desse modelo é que ele permite uma verificação experimental relativamente acessível. Se a matéria escura realmente estiver ionizando a CMZ, seria possível mapear essa atividade e compará-la à distribuição esperada da substância.
“Ao contrário da maioria dos candidatos à matéria escura, que são frequentemente estudados por meio de seus efeitos gravitacionais, essa forma de matéria escura pode se revelar ionizando o gás, essencialmente arrancando elétrons dos átomos na CMZ”, disse ele. “Isso aconteceria se as partículas de matéria escura se aniquilassem em pares de elétrons-pósitrons, que então interagissem com o gás circundante”.

Impacto desse estudo na pesquisa de matéria escura
Na densa região da CMZ, os pósitrons criados nesse processo interagem rapidamente com moléculas de hidrogênio próximas, tornando a ionização ainda mais eficiente. Isso pode resolver uma questão persistente: os níveis de ionização na CMZ são muito altos para serem explicados apenas por raios cósmicos, que tradicionalmente são apontados como os principais responsáveis por esse efeito.
Além disso, se os raios cósmicos fossem os culpados, deveria haver uma emissão associada de raios gama. No entanto, os estudos da CMZ não detectaram esse sinal, o que fortalece a hipótese de uma fonte diferente para a ionização, segundo Balaji.
Outro indício promissor vem de uma leve emissão de raios gama do Centro Galáctico, que pode estar relacionada a essa interação da matéria escura. Caso uma conexão entre esses sinais seja estabelecida, isso reforçaria ainda mais a nova teoria.
A aniquilação dessas partículas de matéria escura também poderia explicar outra observação peculiar da CMZ: a presença de positrônio, um estado temporário formado quando um elétron e um pósitron se combinam antes de se destruírem. Esse evento gera uma radiação característica, incluindo raios-X, que já foi detectada na região.
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O que vem pela frente
Embora a teoria seja promissora, ainda há um longo caminho para que esse novo candidato à matéria escura seja aceito pela comunidade científica. Para comparação, os áxions foram propostos em 1978 e continuam sendo estudados até hoje, sem confirmação definitiva.
De acordo com Balaji, o próximo passo é obter medições mais detalhadas da ionização na CMZ. Se os padrões observados coincidirem com a distribuição esperada da matéria escura, a hipótese ganhará força. “Além disso, será necessário descartar outras possíveis fontes de ionização antes de atribuí-la a esse novo tipo de partícula”.
O telescópio espacial de raios gama COSI (sigla em inglês para “Espectrômetro e Gerador de Imagens Compton”), da NASA, previsto para ser lançado em 2027, pode fornecer dados cruciais para essa investigação. Ele permitirá estudar processos astrofísicos em escala de milhões de elétron-volts (MeV), ajudando a confirmar ou refutar essa explicação.
Independentemente do resultado, esse estudo apresenta uma nova perspectiva sobre a influência da matéria escura no cosmos. Se confirmada, a descoberta poderá revolucionar a forma como buscamos essa substância misteriosa, não apenas observando seus efeitos gravitacionais, mas também seu impacto químico na galáxia.
“A matéria escura continua sendo um dos maiores mistérios da física”, conclui Balaji. “Se essa teoria estiver correta, ela pode abrir um novo caminho para estudarmos sua presença no Universo.”
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