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Ossos de 250 mil anos reforçam que o Homo naledi desafia as teorias evolutivas

Um artigo publicado na sexta-feira (28) na revista eLife reforça a ideia de que o Homo naledi, uma espécie extinta de hominídeo, enterrava seus mortos há cerca de 250 mil anos. Em 250 páginas de novas evidências, a pesquisa segue as conclusões de estudos anteriores, que sugerem que essa espécie tinha comportamentos complexos, como o enterro deliberado de corpos.

Essa descoberta desafia a concepção mais difundida de que apenas os humanos modernos e os neandertais realizariam tais práticas.

O que você vai ler aqui:

  • Fósseis do H. naledi foram encontrados em 2013, mostrando uma espécie bípede com habilidades manuais, apesar de ter um cérebro menor que o dos humanos modernos;
  • Esse hominídeo pode ter enterrado seus mortos há 250 mil anos, desafiando a ideia de que apenas humanos modernos e neandertais praticavam enterros;
  • Estudos de 2017 e 2023 sugerem que o H. naledi enterrava seus mortos intencionalmente e criava arte nas cavernas;
  • Estudo recente traz novas evidências de enterros planejados e artefatos de pedra, indicando práticas funerárias intencionais, mas ainda gerando controvérsias;
  • As gravuras nas cavernas sugerem que o H. naledi tinha habilidades simbólicas, possivelmente relacionadas a rituais ou crenças.
Reconstrução 3D do Homo naledi. Créditos: John Gurche / Mark Thiessen / National Geographic

Os fósseis de Homo naledi foram encontrados em 2013, no sistema de cavernas Rising Star, na África do Sul, onde os pesquisadores identificaram mais de 1.500 ossos de diferentes indivíduos. 

Eles eram bípedes, com cerca de 1,5 metro de altura e pesavam em média 45 quilos. Apesar de possuírem cérebros menores que os dos humanos modernos, suas mãos eram hábeis, o que gerou discussões sobre a complexidade de suas habilidades.

Em 2017, a equipe de Lee Berger, um dos principais pesquisadores envolvidos nas escavações, sugeriu pela primeira vez que o H. naledi havia enterrado seus mortos de forma intencional. 

Essa hipótese foi reforçada em 2023, com a publicação de três estudos no servidor de pré-impressão bioRxiv, que apresentaram novas evidências de enterros e até mesmo gravuras nas paredes das cavernas. Esses estudos indicaram que o H. naledi não apenas sepultava seus mortos, mas também decorava o espaço ao redor dos enterros com figuras abstratas feitas em rochas.

Os dados apresentados na revisão atual aprofundam a ideia de enterros intencionais. Entre as novas descobertas, estão poços rasos e ovais, com restos humanos que estavam cobertos por sedimentos, indicando que os corpos foram dispostos de maneira planejada. Um artefato de pedra encontrado ao lado de um esqueleto sugere que esse hominídeo pode até ter feito oferendas funerárias.

No entanto, o entendimento de enterros deliberados por H. naledi ainda gera controvérsia. Sheela Athreya, antropóloga da Universidade Texas A&M, nos EUA, está entre os especialistas que levantam questionamentos sobre a interpretação dos dados. Em uma entrevista ao site Live Science em 2023, ela apontou que as evidências, embora interessantes, não são conclusivas o suficiente para afirmar com certeza que o enterro foi uma prática consciente, sugerindo que outras explicações poderiam ser consideradas.

Esquema das duas características de sepultamento descobertas na Caverna Rising Star. (A) A posição dos enterros em relação às escavações de 2013-2016 é delineada por área quadrada. (B) Fotografia das principais características do enterro. A característica 1 é o corpo de um espécime adulto de Homo naledi. O recurso 2 mostra pelo menos um corpo juvenil na borda do local do enterro. (C) e (D) são ilustrações que mostram como os ossos foram posicionados dentro das sepulturas. Créditos: Berger et al.

No novo estudo, a equipe de Berger revisou suas conclusões e detalhou ainda mais os processos envolvidos nos enterros. Uma nova linha do tempo que vai da morte à decomposição dos corpos foi adicionada, ajudando a explicar como os corpos chegaram ao sistema de cavernas. Com isso, os pesquisadores esperam responder às críticas e demonstrar que as práticas funerárias de H. naledi eram, de fato, intencionais e sistemáticas.

Essa revisão gerou reações dentro da comunidade científica. Alguns especialistas, que antes estavam céticos, agora consideram as evidências mais robustas. Um revisor afirmou que os dados fornecidos pela equipe de Berger sugerem práticas de enterros repetidas e padronizadas. No entanto, outro revisor manteve uma postura cautelosa, afirmando que mais estudos independentes seriam necessários para confirmar essas conclusões.

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Gravuras nas cavernas podem ser símbolos de luto do Homo naledi

Além dos enterros, outro estudo de 2023 revelou que o H. naledi também praticava algum tipo de arte. Foram encontradas gravuras em forma de linhas e símbolos nas paredes das cavernas. Essas marcas, feitas em superfícies preparadas, sugerem que a espécie usava ferramentas para criar arte, o que indica uma capacidade simbólica bem desenvolvida.

As gravuras, que foram feitas em locais próximos aos enterros, podem indicar que esse espaço subterrâneo tinha um significado cultural para os H. naledi. Segundo o antropólogo Agustín Fuentes, da Universidade de Princeton, o enterro dos mortos e a criação dessas marcas podem estar relacionados a rituais ou crenças compartilhadas, como o luto. Isso apontaria para uma forma de comportamento simbólico, semelhante ao que vemos em humanos modernos.

Ainda assim, a interpretação das gravuras gerou divisões entre os especialistas. Alguns, como Athreya, questionam se essas marcas podem realmente ser atribuídas a um pensamento simbólico intencional. Eles argumentam que as evidências não são fortes o suficiente para afirmar que essas gravuras foram feitas com um propósito abstrato claro.

Além disso, persiste a dúvida sobre como o H. naledi acessava as cavernas, um ponto importante para entender o comportamento desse hominídeo. O sistema Rising Star é de difícil acesso, o que levanta questões sobre como eles conseguiram entrar nesse ambiente. Alguns cientistas, como Jonathan Marks, da Universidade da Carolina do Norte, sugerem que pode haver outras explicações para esse acesso, o que poderia impactar as interpretações sobre os comportamentos dos H. naledi.

Enquanto os debates continuam, as novas evidências sobre os comportamentos do Homo naledi estão mudando nossa visão sobre as capacidades dessa espécie. Se confirmadas, essas descobertas podem ampliar a compreensão sobre as origens do comportamento simbólico e das práticas funerárias entre os primeiros hominídeos. 

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Nossos antepassados usavam pedras vulcânicas de forma inusitada

Esferas de basalto naturais podem ter sido usadas como um tipo de ferramenta por espécies de hominídeos por mais de um milhão de anos. É o que sugere um novo estudo publicado na revista científica Quaternary International.

Nas últimas décadas, diversos itens que datam do período Pleistoceno, entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos atrás, foram coletados em regiões da Europa, Ásia e África. Acredita-se que eram usados como ferramentas de percussão a implementos de caça.

A análise recente se concentrou no acervo da região de Melka Kunture, Etiópia, onde foram encontrados líticos globulares naturais, denominados “esferas”. As peças são feitas de basalto vulcânico, diferentemente daquelas encontradas nas áreas vizinhas, de calcário.

Itens analisados foram encontrados na Etiópia (Imagem: Dmitry_Chulov/iStock)

“É possivelmente a primeira evidência do uso de formas naturais para atividades variadas, e isso aconteceu repetidamente ao longo de mais de 1 milhão de anos de evolução humana em Melka Kunture”, diz a arqueóloga Margherita Mussi, autora do artigo.

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Como foi feita a pesquisa?

  • As esferas utilizadas na análise do estudo foram coletadas em oito locais: Gombore IB, Atebella II, Garba XII, Gombore II-1, Gombore II-2, Garba IIIE, Gotu III e Garba I;
  • Gombore IB foi o sítio habitado mais antigo, datado de 1,7 milhões de anos atrás, e continha  5.000 ferramentas de pedra , três esferas e dois fósseis de ossos do braço de um Homo cf. ergaster humerus;
  • Já Garba I, III e II eram os sítios mais jovens, datados de cerca de 0,6 milhões de anos atrás, com 22 esferas e mais de 7.000 ferramentas líticas.
  • A cientista analisou peso, formato, tamanho e evidências de cicatrizes de lascas de cada uma das esferas; ela concluiu que as peças foram levadas deliberadamente aos locais onde foram encontradas, excluindo métodos naturais de transporte, como a água.
Pedras são feitas de basalto vulcânio, e não de calcário como as demais (Imagem: Mussi/Reprodução)

“Estou convencida de que os duros vulcânicos eram usados ​​para lascar/retocar ferramentas líticas, enquanto os mais macios, de lapilli, eram usados ​​para esfregar vegetais/peles ou outras coisas”, explica a pesquisadora.

O estudo fornece novos insights sobre a evolução do comportamento das ferramentas nos primeiros hominídeos, na transição de Homo erectus para H. heidelbergensis. “Esta é uma boa evidência de como os hominídeos estavam explorando cuidadosamente qualquer novo recurso e usando-os habilmente”, conclui.

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