Imagine um mundo onde grandes esferas, do tamanho de uma bola de basquete, estejam espalhadas, examinando profundamente nossos olhos para captar os padrões únicos das nossas íris.
Esses dispositivos, que a empresa chama de “Orbs”, permitiriam a realização de qualquer atividade que exija identificação – seja na internet ou na vida real – desde comprar um pão até pagar impostos.
Essa ideia remete a outros projetos recentes, como a tentativa da Amazon de substituir os cartões de crédito pela leitura da palma da mão, e os esforços do Ant Group, na China, para possibilitar pagamentos por reconhecimento facial.
A principal inovação, porém, é a visão dos criadores do aplicativo da World. Liderado pelo CEO Alex Blania e cofundado por Sam Altman, o projeto prevê um cenário num futuro não muito distante em que quase nada poderá ser feito sem uma verificação ocular.
À medida que os agentes de inteligência artificial (IA) se tornam mais presentes e humanizados, será preciso demonstrar, repetidamente, que somos humanos, para evitar que essas IAs se disfarcem de pessoas reais em transações financeiras e interações em redes sociais.
World e seu aplicativo de verificação humana
- Para acelerar a adesão ao que a World denomina seu sistema de “prova anônima de humanidade”, a empresa lançou, recentemente, uma mini loja de aplicativos integrada ao próprio app, disponível para dispositivos iOS e Android;
- Segundo o The Wall Street Journal, essa iniciativa faz parte de uma estratégia maior para desenvolver um “aplicativo para tudo” – ou “super app” –, conceito amplamente disseminado na Ásia, onde plataformas, como WeChat, Grab, Alipay e KakaoTalk, possibilitam desde compras e conversas até pedidos de refeições ou serviços de transporte;
- Na mini loja da World, os usuários já podem acessar serviços para enviar e receber criptomoedas, conversar com pessoas verificadas e até solicitar microcréditos;
- Esse é apenas o primeiro passo rumo à criação de um vasto ecossistema que, segundo Altman, Blania e sua equipe, pode chegar a atender mais de um bilhão de pessoas;
- Com a expansão do sistema de identificação, eles antecipam que seu maior concorrente será o próprio “aplicativo para tudo” de Elon Musk, o X.
“Creio que ainda levará um tempo até termos uma concorrência direta e acirrada”, afirmou Blania, destacando que, atualmente, o X funciona principalmente como uma rede social.
O aplicativo, que já foi conhecido como o saudoso Twitter, ainda não lançou seu serviço de pagamentos – peça-chave na visão de Musk – e a World também ainda não estreou oficialmente nos Estados Unidos. Por enquanto, não há “Orbs” disponíveis por lá.
Entretanto, Blania projeta que, dentro de aproximadamente 12 meses, ambos os serviços comecem a competir de forma mais intensa.
Essa disputa é particularmente interessante, considerando que o sucesso dos “super apps” no Ocidente tem se mostrado um desafio, já que a maioria dos usuários de smartphones que não cresceram imersos no ecossistema tecnológico asiático já desfrutam da versatilidade oferecida pelas lojas de aplicativos convencionais.
Além disso, a participação de Sam Altman na World pode acirrar ainda mais a rivalidade com o X, dado o histórico de confrontos entre Altman e Musk. Blania chegou a afirmar que a World não é um projeto secundário para Altman – com quem mantém contato frequente –, estando ele envolvido em praticamente todas as decisões estratégicas da empresa.
No cenário estadunidense, a World, anteriormente conhecida como Worldcoin, ainda é pouco conhecida. Quando mencionado, geralmente é em referência ao seu sistema biométrico inovador, centrado na esfera de identificação.
Contudo, a prática de escanear os olhos de milhões de pessoas não tem agradado a governos ao redor do mundo. Já mais de uma dúzia de países suspenderam suas operações ou estão investigando como os dados pessoais são tratados.

Em um episódio recente de seu podcast com Marc Andreessen, o investidor e capitalista de risco Ben Horowitz afirmou que, com o afrouxamento das restrições às empresas de criptomoedas nos EUA, espera que a World se torne “legal” no país ainda este ano.
Atualmente, a empresa evita realizar escaneamentos oculares nos Estados Unidos e impede que os estadunidenses possuam o token Worldcoin por receio das autoridades regulatórias, conforme explicou Altman.
Quando questionado sobre quando a World poderá inaugurar pontos de atendimento no país para que as pessoas possam se cadastrar por meio do escaneamento de suas íris, Blania não deu previsão exata, mas ressaltou que essa é uma prioridade.
Blania também minimiza as preocupações em relação aos reguladores, tanto nos EUA quanto em outros países. “Conheço bem as características do sistema e estou convencido de sua conformidade – ele vai além das expectativas dos próprios reguladores. Basta fazê-los compreender cada detalhe”, afirma.
Recentemente, a World contratou um ex-executivo do X para assumir a chefia da área de privacidade, numa tentativa de reforçar sua credibilidade nesse aspecto.
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Biometria e polêmicas
Sistemas de identificação por biometria já causaram inquietação entre usuários e governos anteriormente.
É fácil lembrar da polêmica em torno do Face ID do iPhone, tecnologia de reconhecimento facial que hoje é amplamente utilizada para desbloquear os dispositivos da Apple, mas que, na época de seu lançamento, levantou preocupações quanto à segurança e ao potencial de vigilância em massa, especialmente em comparação com sistemas chineses de monitoramento.
A World, por sua vez, defende que sua rede é anônima e segura, comprovando apenas que você é humano – sem revelar sua identidade.
Um dos diferenciais do sistema é justamente essa “prova anônima de humanidade”: o escaneamento ocular confirma que se trata de um ser humano e não de uma inteligência artificial, mas não permite identificar quem você é sem o apoio de softwares e sistemas adicionais.
Segundo Tiago Sada, diretor de produto da empresa, o avanço de IAs cada vez mais sofisticadas pode forçar a adoção de um sistema como esse, já que, sem ele, transacionar na internet poderá se tornar praticamente inviável.

As capacidades de “prova de humanidade” da World possibilitaram o lançamento de um novo mini-aplicativo, chamado Credit, na loja da World. Diego, desenvolvedor argentino – que utiliza apenas o primeiro nome – explica que o Credit oferece microcréditos entre US$ 5 e US$ 100 (R$ 28,84 e R$ 576,82, na conversão direta) sem necessidade de garantias, mas bloqueia usuários inadimplentes.
O sistema, baseado em identificador único, à prova de bots, impede que as pessoas criem novas contas para burlar a restrição. Desde seu lançamento em dezembro, o aplicativo já conquistou 70 mil usuários na Argentina e está dando lucro.
Apesar das ambições ousadas tanto da World quanto do X, há vários motivos para se questionar se eles conseguirão atingir suas metas, segundo o Journal. Atualmente, a World verificou apenas 11 milhões de pessoas em todo o mundo – mesmo pagando por meio de tokens criptográficos para que os usuários tenham seus olhos escaneados.
Inicialmente, eram distribuídos 25 tokens por cadastro (cerca de US$ 25 [R$ 144,20] pelos preços atuais), e o valor, agora, caiu para 16 tokens. Além disso, a data de lançamento do serviço de conta digital do X, chamado Money Account, ainda é incerta. A empresa chegou a mencionar a Visa como sua primeira parceira, mas não respondeu aos pedidos de comentário do Journal.
O CEO da Visa, Ryan McInerney, disse, na última teleconferência de resultados, que o X Money utilizará os sistemas da empresa para permitir que os usuários financiem sua “X Wallet” com um cartão de débito, facilitando, também, transações entre pessoas.
Embora o X conte com base de usuários muito maior que a da World, permanece a dúvida sobre quantas pessoas estarão dispostas a confiar sua vida financeira a uma empresa pertencente a Elon Musk.
No final das contas, a confiança será o principal fator determinante para o sucesso ou fracasso de ambos os projetos. Blania está convicto de que, com o tempo, reguladores e especialistas em privacidade reconhecerão a robustez e a segurança do sistema World.
“Esse sistema foi construído de forma que é comprovadamente muito mais seguro do que os concorrentes em potencial. É como se fosse uma verdadeira ciência da privacidade – algo que, acredito, nunca foi implementado dessa maneira no mundo”, concluiu.
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